Por Gabriel Wilhelms, Instituto Liberal
O presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) e a deputada Tábata Amaral (PDT-SP) atuaram em conjunto para apresentar uma série de projetos batizados de “agenda social”. Trata-se de uma tentativa do presidente da Câmara de capitanear uma agenda “além da econômica”. Sobre este aspecto, Tábata diz que entende a importância da agenda econômica, mas que para ela “progressista é quem entende que a agenda social é tão ou mais importante que a parte economicista”. Como sempre, aqui há uma falsa dicotomia que sugere que a agenda econômica é de certa forma antagônica à social, quando na realidade ela é a agenda social mais importante e conditio sine qua non para esta última existir. O Plano Real, por exemplo, provavelmente foi o melhor programa social já criado no país, ainda que não tenha sido concebido como tal.
Desde que a tal agenda começou a ser aventada, eu mantive os dois pés atrás até que o custo da coisa fosse apresentado. Segundo Tábata, o projeto é em sua maior parte “fiscalmente neutro”, sendo a única exceção as modificações no programa Bolsa Família estimadas em um custo adicional de R$9,8 bilhões ao ano. No entanto, a parte mais relevante não são as mudanças no programa – que inclui aumento do benefício para a primeira infância, por exemplo –, mas a proposta de se incluir o programa no artigo 203 da Constituição Federal, que trata da assistência social. A justificativa da deputada é que o programa deixaria de ser uma política de governo e se transformaria em uma “política de estado”. Tratarei desse ponto mais à frente.
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Antes de tudo, considero o Bolsa Família um excelente programa que deve sim ser mantido e mesmo ampliado. Sua necessidade deriva do fato de que o Brasil ainda é um país pobre e com uma grande população de miseráveis. Notem que se trata de uma necessidade advinda das circunstâncias e, como as circunstâncias podem mudar, não se trata de uma necessidade “permanente”. Claro que o Bolsa Família provavelmente precisará ser mantido por muitos anos, senão décadas à fio, e acredito piamente que deve ser mantido enquanto for necessário; porém, colocá-lo na Constituição lhe daria um caráter permanente e dificultaria uma eventual alteração ou extinção quanto esta se fizesse necessária. Sim, é preciso contemplar a possibilidade de extinção no futuro, uma vez que nosso objetivo deve ser superar a condição de miserabilidade que justifica o programa em primeiro lugar.
A intenção pode até ser boa, mas o somatório de boas intenções nos legou a terceira maior constituição do mundo, de acordo com o CPP (Comparative Constitutions Project), colocando-nos apenas atrás da Nigéria e da Índia. Segundo o mesmo ranking, nossa Constituição também é a décima em previsão de direitos. Como sabemos, nossa constituição é um monstrengo e já recebeu 103 emendas até o momento. Isto ocorre porque ela trata de inúmeros assuntos que deveriam ser matéria de lei ordinária.
O argumento da deputada, de que o programa deveria se tornar uma “política de estado”, também já foi usado pelo então senador e ex-candidato à presidência Aécio Neves (PSDB-MG), porém não por meio de uma emenda constitucional e sim pela sua inclusão na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). Na época, o argumento de Aécio era uma resposta ao costumeiro terrorismo eleitoral que o PT sempre fez com o programa, argumentando que se qualquer outro partido vencesse a disputa o novo mandatório extinguiria o programa. Tornando-se parte integrante da Loas, o Bolsa Família não mais estaria sujeito aos “caprichos” do governante de ocasião. É um argumento que tem apelo, e uma eventual inclusão do programa na Loas poderia ser algo a ser estudado. Porém, acredito que nem mesmo a inclusão na Constituição diminuiria o terrorismo eleitoral dos petistas, mesmo porque esse terrorismo só logra êxito com aqueles que infelizmente têm a ingenuidade e a humildade para acreditar. O fato de grande parte dos chamados direitos trabalhistas estarem previstos na constituição não impediu que a esquerda fizesse terrorismo com a Reforma Trabalhista, que não alterou uma vírgula sequer do texto constitucional. Além disso, o argumento petista perde força se considerarmos que o Bolsa Família foi mantido nos governos de Temer e de Bolsonaro, tendo este último inclusive instituído o pagamento de um 13º salário.
Temos que romper com esse hábito nefasto de querer enfiar tudo na Constituição, o que encontra mais apelo ainda quando se tem uma motivação social. É como se as leis não tivessem eficácia se não constassem na Carta Magna, o que obviamente é uma besteira. O Bolsa Família é garantido por lei e a lei só poderia ser revogada pelo Congresso. Sendo assim, sujeitar qualquer eventual alteração à aprovação de uma PEC cria uma burocracia desnecessária que serve inclusive para atravancar as atividades do legislativo.
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