Por Pedro Henrique Alves, Instituto Liberal
Como mostrou Sócrates em seus diálogos, o grande problema filosófico começa com o profundo problema da conceituação. O jornal Estadão estampou na tela principal de seu site, ontem, a incontestável afirmação de que a violência contra a mulher cresceu 167% em São Paulo. Número verdadeiramente assustador que, de antemão, me fez parar para ler a matéria; mas, antes de dogmatizar a crítica recebida, investiguemos a situação de maneira desapaixonada. Primeiramente, creio que podemos dizer que a violência é ruim, e igualmente danosa, seja ela realizada contra quem for; depois disso, acredito que devemos entender o problema do “feminicídio” tal como a matéria o expõe, antes de queimar suspeitos em montes de galhos secos ou guilhotinar patriarcados em praças públicas.
As coisas se tornam mais claras quando entendemos o que o grupo Rede Nossa São Paulo entende como sendo “feminicídio”; e aqui vai uma contestação respeitosa às fontes da Rede Nossa São Paulo — desse e dos anos anteriores —, buscando expor aquilo que julgo ser um erro interpretativo e/ou metodológico passado adiante pela instituição.
Feminicídio se trata de um ato criminoso perpetrado por alguém cuja motivação está no fato de a vítima ser mulher. Por isso a distinção óbvia grafada no termo “femi”, remetendo a “fêmea”; isto é: um ato assassino específico contra a mulher, cujo porquê jaz no simples fato de a vítima ser mulher. Um homem que mata a sua namorada por ciúmes, ou por estar drogado, não comete um feminicídio nas definições mais lógicas do termo, mas sim um homicídio. A motivação do crime foi o ciúme, distúrbio mental, o fato de estar drogado, etc., e não porque a vítima era mulher. HOMIcídio não é uma extensão linguística para o assassinato de homens; “HOMI”, aqui entendido, se refere à espécie humana e não ao sexo masculino. Tal distinção deve ficar clara caso não queiramos que mais tarde antropólogas feministas encontrem alguma “MULHERsapiens” ou uma “FEMI erectus”.
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Sendo assim, se qualquer crime de morte que for perpetrado contra uma mulher ganhar uma categoria distinta do comum “homicídio”, sem levar em conta as especificidades que enquadram o real feminicídio, obviamente que os números irão estourar a estratosfera das estatísticas da violência. Ora, temos aqui uma nova tabulação de crime, o qual outrora não era utilizado — pelo menos não nesses termos; é como se uma empresa fundada há um ano levantasse um comparativo de seus ganhos nos últimos 10 anos. Obviamente que os ganhos dos últimos nove anos serão de 0% e os do último ano aparecerão destacados no gráfico.
Segundo a matéria — e é disso que tratam os dados levantados pela Rede Nova São Paulo —, os feminicídios aumentaram 167% em um ano. Convenhamos em que esse é um número cavalar que merece um estudo científico profundo e desideologizado. Pois bem; ou passamos por um deliberado e coordenado ataque às mulheres, por algum motivo determinado que deve logo ser descoberto, ou esse número é simplesmente “estranho” ou “maximizado”. Ora, estamos massacrando as mulheres diuturnamente, sob o céu da terra da garoa, enquanto todos assistem passivamente? Ou dentro de nossos lares iniciamos uma convenção social masculina de esfolamento feminino, por hobby ou por meros desejos bastardos? O que aconteceu? Será que nesses anos que passaram descobrimos algum terrível ritual masculino de sacrifício feminino, cuja alma da liturgia macabra é justamente assassinar mulheres em São Paulo?
Como dizia um padre amigo meu, “se tudo for amor, então o amor não vale tanto assim”; se toda violência contra mulher é feminicídio, então pouco importa a sua essência, isto é: aquilo que faz esse crime ser o que é; nos termos atuais, parece que o que importa é tão somente que os números alarmistas encham as manchetes e acendam as piras ideológicas. Aqueles que mudam as regras do jogo para que as estatísticas deponham a seu favor não querem achar uma solução à óbvia aporia social que representa a violência contra a mulher; tais magos ideológicos das estatísticas que lhes convêm agregam até mesmo homens que se denominam transsexuais em tais números. Se uma mulher matar um homem que se sente como mulher, também é feminicídio? Eis as barreiras da nova lógica irreal da realidade.
Obviamente que eu não estou minorando a gravidade que representa a violência assassina contra as mulheres, transsexuais, gays ou quaisquer outros grupos e subdivisões da espécie humana; sou eternamente favorável, inclusive, ao endurecimento agressivo das penas contra crimes cometidos contra as mulheres. Eu apenas não romantizo e nem danço esse bolero de loucos cantado com sonetos da novilíngua. Derrida e Habermas afirmavam que, para mudar a essência das coisas, bastaria que mudássemos as estruturas linguísticas dos conceitos e os reconstruíssemos num plano de diálogo social — forma bonita de dizer “doutrinação pedagógica e midiática”. Eu, porém, sou aquele velho e cético roceiro de cachimbo pendente que insiste em reafirmar o óbvio, lembrar que certas invencionices modernas não passam de estratagemas de um problema muito maior e mais simples de entender, basicamente um problema de caráter.
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