O ex-presidente Michel Temer foi sabatinado pelo programa Roda Viva na segunda-feira (16). A entrevista teve alguns aspectos interessantes.
Deixando de lado as perguntas e respostas sobre prisões e investigações no âmbito da Operação Lava Jato contra ele próprio e aliados de seu governo, Temer confessou acreditar que Lula teria evitado o impeachment de Dilma se fosse empossado ministro da Casa Civil e disse que, na presidência da Câmara de Eduardo Cunha, trabalhou muito para evitar qualquer processo de impedimento da petista.
Outro detalhe curioso foi a argumentação de Temer de que a Ponte para o Futuro, documento apresentado pelo então PMDB com medidas bastante liberais a serem adotadas no país, foi uma tentativa de colaboração com o governo Dilma e não um movimento simbólico para delinear um afastamento e garantir aos mercados um horizonte melhor em caso de substituição no Executivo. Praticamente impossível de acreditar, mas a fluidez do vernáculo de Temer é admirável.
Por diversas vezes já externei minha visão acerca do ex-presidente peemedebista e por óbvio a entrevista não teria qualquer poder de modificá-la. Considero que houve muitos aspectos positivos de seu governo, especificamente em sua dimensão reformista de viés liberalizante, e o próprio Temer ressaltou que no governo Bolsonaro há a qualidade de dar sequência a isso, com a consumação do acordo entre Mercosul e União Europeia e a sustentação da reforma previdenciária. Ele “arrumou a casa” após o desastre do lulopetismo e essa disposição deve ser reconhecida.
Michel Temer, ao assim agir, mais não fez que a sua obrigação (e isso seus entusiastas – e há muitos nos círculos liberais – não gostam de ler ou ouvir) por ter dado suporte fundamental, como vice-presidente de Dilma nos dois mandatos, aos governos nefastos da estrela vermelha. Deve, portanto, ficar para a História como um faxineiro que “limpou” (bem parcialmente, é claro, mas deve ser levado em conta o pouco tempo que teve) a bagunça que ajudou a fazer, nunca como um herói ou um nobre estadista. Mais do que isso, ele agora deve muito mais apropriadamente prestar satisfações aos tribunais e à Justiça que distribuir aulas, palestras e entrevistas para o grande público ou perante plateias em conferências liberais.
Entretanto, o detalhe mais interessante da entrevista, que acrescenta contornos instrutivos às nossas reflexões sobre o quadro histórico, veio logo ao começo, quando Temer comentou a Constituição de 1988, tendo sido um dos constituintes e, com isso, um dos “pais fundadores” da Nova República. Ele fez uma confissão pitoresca em momento em que as inteligências liberais levantam fortes questionamentos contra a natureza de nossa Carta Magna.
“Na verdade, nós tivemos a capacidade durante a Constituinte de amalgamar, de misturar, os conceitos do liberalismo com os conceitos do socialismo, ao mesmo tempo em que nós fomos capazes de estabelecer uma regração relativa aos direitos individuais, portanto ao chamado Estado Democrático de Direito, como nenhuma outra Constituição conseguiu estabelecer”, sustentou Temer. Ele fez o comentário indagado sobre a possibilidade de o Brasil mergulhar no autoritarismo novamente, o que considera improvável. Temer julga que a Constituição de 88 foi montada de tal forma que é capaz de impedir que o Brasil viva uma ruptura simbólica, constitucional e institucional ampla nos próximos anos, tais como as que se verificaram ao longo dos golpes e revoluções do século passado. Admitiu, no entanto, reformas dentro da Constituição, como a adoção, via referendo, de um semipresidencialismo para evitar os traumas dos processos de impeachment.
Embora compreenda os que se irritam com a Constituição brasileira, tendo a concordar com Temer em que, em um período histórico diferente, em que os militares já tiveram e esgotaram sua experiência de tutela abrangente do poder entre as décadas de 60 e 80 e temos conseguido, com meios de comunicação mais fortes e as possibilidades que o mundo virtual oferece, atravessar crises sem colapsos totais, o ideal é que lutemos para seguir obtendo vitórias sem uma nova revolução ou golpe. Temos as investidas autoritárias do STF como o grande obstáculo prático à manutenção dessa resolução, mas até o momento temos conseguido sustentá-la, e é bom que assim permaneça.
Isso não significa, para usar um jargão que tem sido moda, “passar o pano” para essa Constituição, tampouco para o regime ou caldo político-cultural que a erigiu e que se desdobrou em torno dela. O próprio Temer admitiu, com estranho orgulho, a presença de influências socialistas na Constituição.
É evidente que a Constituição não prevê a ditadura do proletariado ou a extinção da propriedade privada, mas, entre os infortúnios de ter sido construída antes da queda do muro de Berlim, está esse fetiche pela “justiça social”, pela materialização de direitos e mais direitos no texto que deveria ser apenas o documento fundamental do Estado brasileiro, pela previsão de monopólios e mais monopólios, dispositivos dirigistas e mais dispositivos dirigistas. Apesar dos caminhos reformistas de seu governo, a exaltação que Temer faz desse amálgama equivocado é o testemunho de que ele se enquadra em um regime que precisa passar, de que ajudou a parir um ciclo que se esgotou.
Como dizia o saudoso Roberto Campos, esses “elementos socialistas” da Constituição são justamente os que a tornam um texto obeso e repleto de garantias onerosas, sem especificar, determinar ou viabilizar os recursos necessários para fornecê-las. Tornam-na, muito claramente, uma Constituição com “preceitos que cobrem as mais variadas áreas de atuação social, como ciência, tecnologia, desportos, lazer, tratamento de indígenas e comunicação social”, seguindo os rastros de uma “plataforma nacional-populista que se tornou obsoleta com a internacionalização da economia e o colapso do socialismo”. O gosto por agradar a gregos e troianos, de que Temer se revela orgulhoso, foi o que determinou os obstáculos representados pelo texto constitucional até hoje para a superação dos nossos desafios, consagrando, ainda no dizer de Campos, o “estatismo cartorial”, “inconsequente”, “burocrático-paternalista” e “tecnocrático-xenófobo”.
Preferível tolerar em seus fundamentos a “favela jurídica”, como carinhosamente Campos a chamava, a correr o risco imenso de aprofundar de vez o caos jurídico e institucional com uma ruptura, como diz Temer. Longe de qualquer simpatizante do liberalismo, entretanto, a glorificação da obra dos constituintes como uma demonstração de tolerância por “amalgamar” liberalismo e socialismo. Isso, antes, deve ser lamentado, como efeito de um zeitgeist moribundo cujo espectro ainda, embora em parte dissipado pela nossa tenacidade, nos assombra.
Lucas Berlanza é jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), carioca, editor dos sites “Sentinela Lacerdista” e “Boletim da Liberdade” e autor do livro “Guia Bibliográfico da Nova Direita – 39 livros para compreender o fenômeno brasileiro”
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